Alexandre Baraúna Mossoró – O herói de Paissandu
Mossoró é uma terra de gente destemida, que quando surge a ocasião sabe mostrar o seu valor. Assim foi quando a população, de arma em punho, expulsou o bando de Lampião, numa luta que teve como saldo trágico a morte de dois cangaceiros, evitando o saque e a destruição do patrimônio da cidade, como tinha acontecido em Souza, na Paraíba, em 1924, e em Apodi, no Rio Grande do Norte, em 1927. Essa mesma disposição de luta foi mostrada em outras ocasiões, tanto que o escritor Edgar Barbosa eternizou no mármore um poema que passaria a ser um verdadeiro hino de louvor ao povo mossoroense, por sua dedicação ao solo e a cidade: “Eis porque Mossoró resistiu sempre, sustentada em Deus e no estoicismo da sua gente. Gente digna de levar-se a uma cruzada, a uma expedição, a toda empresa que necessite de fé”. Baraúna pertencia a essa estirpe.
Alexandre Baraúna Mossoró, o soldado Mossoró, pertencia a 5ª Companhia do 3º Batalhão de Infantaria, onde “sentava praça” desde 1851. Era um caboclo de baixa estatura, de fisionomia simpática e muito estimado no corpo onde servia. O zelo que tinha com a farda e o armamento, por mais de uma vez chamaram a atenção dos seus superiores, que lhe dispensavam particular consideração. Tanto assim que em 1864 foi promovido a cabo de esquadra e escolhido para cabo de ordem efetivo do comandante em chefe, o general João Propício, cargo esse rejeitado pelo soldado pois como ele dizia, não havia nascido para ser criado de ninguém. Tal atitude, longe de ser tomada como indisciplina, sensibilizou o coronel Sampaio pela altivez de caráter, a ponto de conseguir do general a anulação do cargo.
Em 1864, intrigas internacionais culminam com a declaração de guerra contra o Paraguai. E lá vão nossos soldados para o campo de batalha, entre eles o soldado Mossoró que em lá chegando não se deixou dominar pelo pavor da guerra, sobressaindo-se entre os seus camaradas pela bravura demostrada no campo de batalha. Morreu no combate de Ancla Dorada, Paissandu, a 2 de janeiro de 1865, demostrando heroísmo e coragem, a ponto de impressionar o general Sampaio que fez escrever em seu túmulo: “Respeitai o jazigo de um bravo”. Contam que antes de morrer teria balbuciado “Minha mãe … viva Mossoró”.
A origem de Alexandre Baraúna é pouco conhecida. Sabe-se apenas que era filho de um ferreiro de nome Justino Paredão, que tinha sua tenda de trabalho no bairro Paredões, periferia de Mossoró, e de dona Rita Paredão. Recorrendo aos arquivos do historiador Raimundo Brito, descobrimos uma cópia do artigo do jornalista J. Martins de Vasconcelos, publicada em seu jornal “O Nordeste”, datada de 22 de novembro de 1925. Nesse artigo o jornalista informa que tentou encontrar parentes de Baraúna lá nos Paredões, onde os seus pais moravam, isso ainda no ano de 1900. Encontrou algumas pessoas que o haviam conhecido e que confirmaram a sua paternidade. No sítio Pinto, propriedade que ficava próxima a Mossoró, o jornalista entrevistou um cunhado de Baraúna, de nome Pedro Carlos, agricultor já idoso. Esse informou que Baraúna nos anos 1850 e 1860 estivera em Mossoró em visita a familiares. Foi interessante essa pesquisa, porque até então Alexandre Baraúna era tido como uma figura lendária, que a tradição popular persistia em afirmar ter sido herói da Guerra do Paraguai. Nos arquivos militares da época, nada constava desse soldado, como comprovou o polígrafo Adauto Câmara.
Em outra matéria datada de 5 de dezembro de 1925, no mesmo jornal “O Nordeste”, J. Martins de Vasconcelos transcreve trechos do livro “Fragmentos Históricos” do escritor J. Arthur Montenegro, que relata a batalha final do soldado Mossoró. Diz o autor: “ O capitão Francisco Frederico Filgueira de Melo, como mais antigo, dirigia o ataque: uma verdadeira escalada.
Um soldado ajoelhado junto a sua carabina, fazia atadura do lenço; um golpe de lança lhe atravessara a face direita: a esclerótica saltara e pelo álveo da córnea um jorro de sangue saía:
- Que fazes aí, Alexandre? Estais ferido, vai para a ambulância.
- gritou-lhe Filgueira de Melo.
- Para a ambulância? eu para a ambulância, meu capitão?
- Vai te curar antes que fiques aí desmaiado. Estás com a vista perdida, desgraçado!
- É verdade, meu capitão. Mas o canhoto ainda enxerga…
E o soldado, pronta a atadura, endireitou-se, tomou da espingarda com gesto enérgico e correu para a frente, antes que Filgueira de Melo pudesse dete-lo.
Um quarto de hora depois a Ancla Dorada era tomada, mas a luta continuava nos muros dos quintais transformados pelos blancos em outras tantas trincheiras.
Uma bala inimiga veio ferir o braço de um soldado que se esforçava para trepar um muro…
O soldado soltou um grito e rolou por terra, já do lado oposto, onde brigava-se à baioneta com os blancos entrincheirados atrás de uma pilha de tijolos…
Filgueira de Melo correu a levantá-lo…
- Ah é vancê, meu capitão? Os gringos implicaram comigo, mas eu me vingo…
- E ainda não estás satisfeito, Alexandre? Vai para a ambulância, se ainda podes andar.
O soldado não respondeu, mas agarrando a carabina pela boca e, manobrando-a como clava, atirou-se no meio da luta gritando:
- Agora, gringos, é com o canhoto!
De repente, ferido em pleno peito, caiu o caboclo!
O oficial aproximou-se. Horrível expressão naquele rosto mutilado. Olhou parta o chefe, quis falar e uma golfada de sangue saiu-lhe da boca…
Suas últimas palavras resumiram um mundo de felicidade e amor:
- Minha mãe… viva Mossoró!
Longa citação, mas necessária para se conhecer a bravura do soldado Alexandre Baraúna Mossoró: O herói de Paissandu!
Geraldo Maia – colunista