Lampião e a Estrada de Ferro de Mossoró
Quando se fala do ataque de Lampião a Mossoró, em 1927, achamos que não há nada de novo para se falar. Muitos livros e matérias jornalísticas já foram produzidos com base nos diversos depoimentos de pessoas aqui de Mossoró. Mas quando menos esperamos, aparece novidades.
Recentemente estava pesquisando sobre a Estrada de Ferro de Mossoró e me deparei com o livro “Minhas Memórias da Estrada de Ferro de Mossoró”, publicado pela Coleção Mossoroense em 1991, cujo autor é Pedro Leopoldo, que foi um dos responsáveis pela construção da estrada. Na época, os trilhos iam só até São Sebastião (Governador Dix-sept Rosado) e ele estava coordenando o prolongamento, inclusive com a família morando naquela cidade.
Vamos reproduzir aqui a experiência vivida por Pedro Leopoldo e família durante a passagem de Lampião e seu bando por São Sebastião. Disse o autor:
“Nos princípios de junho circulou a notícia de que o facínora Lampião com seu bando sinistro entrava na fronteira Oeste do Rio Grande do Norte rumo a Mossoró. A princípio supunha-se um boato, mas depois a notícia era confirmada de fonte fidedigna. De fato, na noite de 12 para 13 de junho, aquela horda de celerados invadia a pequena Vila. Na tarde do mesmo dia, quando tive a certeza da vinda dos bandidos, mandei que o trem horário, que ali pernoitava, voltasse a Mossoró – para que não fosse apanhado pelos celerados – e fugi com minha família. Fui ocultar-me na casa de um camponês, em lugar ignorado onde ninguém descobrisse a minha pista. Todas as outras famílias, como a minha, também se retiraram, da maneira que, quando os bandoleiros entraram, só encontraram populares avulsos. Entraram logo na pilhagem e depredação. A primeira desordem foi incendiar dois veículos da Estrada que estavam na garagem, depois o aparelho telegráfico da Estrada; em seguida assaltaram as casas comerciais, quebrando garrafas de bebidas, louças e vidros; jogaram fora peças de tecidos, de que o povo se apoderou. Entraram em minha casa, abriram gavetas, escancararam malas, mas nada danificaram. Naquela mesma noite prosseguiram para Mossoró.
No dia seguinte, que era o da festa de Santo Antônio, voltava com a família a minha casa de residência, ao meu posto de trabalho. Encontrei o pequeno povoado num aspecto tétrico e desolador. Todas as famílias ainda foragidas, a minha era a única que voltava! A pequena praça, que dava para minha casa, estava ocupada por uma tropa da polícia da Paraíba que vinha perseguindo os bandidos. Logo que abri a casa os soldados a invadiram e me assediaram, pedindo água, pedindo café e outras coisas de necessidade.
O povo desordeiro, entre os quais muitos operários da Estrada – acobertados pelos bandidos, fez a pilhagem. Não teve uma casa de venda, desde a taberna a loja de tecidos, que não fosse danificada. Os larápios, alguns foram presos e castigados, e outros fugiram conduzindo os despojos. Muitos operários da Estrada estavam nesta súcia.
Procurei logo reatar o serviço, mas estava tudo atoa e difícil de se reorganizar. O fornecedor com sua família saíra para Mossoró e ainda não aparecera. O trem de lastro não voltara mais para o transporte de materiais, e as turmas de serviços estavam desfalcadas dos melhores operários. Os boatos mais estapafúrdios, circulavam de boca em boca alarmando o povo e as famílias, que voltavam a seus lares. Lampião ainda voltaria! O desastre dele em Mossoró exigia uma desforra, com um castigo em toda zona, que concorreu para aquele fracasso. Com aquela invencionice urdida pelos exploradores da mentira, os boatos tomavam visos de verdade, e as famílias assaltadas de pânico passaram a dormir no mato todas as noites, durante muitos dias. O Diretor Gerente ordenou-me mandou-me que mandasse postar guarda e vigia durante as noites até passar aquela quadra de terror e apreensão. Eu cumpri essa ordem, mas não acreditava na veracidade daqueles boatos, e quando compreendi que os malandros deles tiravam partido, aborreci-me e entesei, mandando suspender os guardas noturnos e obrigando os madraços a entrar em serviço.
Minha esposa, apavorada no meio daquele ambiente tumultuoso, ficou tomada de um estado nervoso excitante, de tal forma que não mais podia dormir. Vivia tão sobressaltada que o menor rumor se lhe afigurava um assalto dos bandidos. Assim não mais podia continuar ali. Diante da gravidade do caso, chamei o pai dela, por telegrama, e em companhia deste, mandei-a para o Ceará. Só, sem as preocupações de família, e tapando os ouvidos as patranhas dos boateiros, voltei-me com toda energia para o serviço. “
Essa narrativa é mais uma pedrinha para completar o mosaico desse capítulo da nossa história. É lamentável saber que parte da população, sem caráter, se aproveitou da ocasião para saquear seus conterrâneos, aumentando assim o prejuízo dos demais.
Geraldo Maia – colunista