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Memórias de velhos tempos

Em 1919 Mossoró era uma cidade pacata, habitada por um povo laborioso. As ruas já eram iluminadas por luz elétrica, existia uma agência do Banco do Brasil, que desde o ano anterior havia se instalado, já existiam três automóveis de luxo circulando pela cidade que pertenciam, respectivamente, ao médico Almeida Castro, Miguel Faustino do Monte e Camilo Figueiredo e a cidade contava com uma estrada de ferro que ligava Mossoró a Porto Franco, em Areia Branca. Circulava o jornal “O Mossoroense”, já em sua terceira fase, que desde 1917 estava sendo dirigido por Almeida Castro. Pelo que podemos ver era uma cidade desenvolvida, e aparentemente tudo corria tranquilo, exceto por uma epidemia de gripe espanhola que desde 1918 vinha vitimando várias pessoas, obrigando o Prefeito a criar um hospital de emergência, o “São Sebastião”, que prestou grandes serviços e também pela seca que mais uma vez assolava o Nordeste brasileiro, enchendo as ruas de Mossoró de retirantes. Não havia, no entanto, divertimentos na cidade. À noite, por falta de opção de lazer, as pessoas botavam as cadeiras na calçada para um dedo de proza com os vizinhos ou com outros conhecidos, não faltando, é claro, uma rodada de café, vez por outra, como mandava a boa tradição sertaneja. E nessa tranquilidade, passavam-se os dias.

Uma notícia, no entanto, veio abalar a cidade, enchendo-a de alegria. É que o Circo de Stringuini acabava de chegar no trem que vinha de Areia Branca, em cujos vagões se vinham as armações, os mastros, rodas de arame, bichos e artistas. O proprietário, ao que se dizia, devia ser homem importante, pois era amigo de Seu Rosado, que na época era o Prefeito da Cidade, e que arranjou as casas para a Companhia. Diziam que Stringuini era maçom, vindo daí a amizade com o Prefeito, que pertencia a Loja Maçônica “24 de Junho”.

O local escolhido para armar o circo foi a Praça do Mercado. O terreno foi marcado, os arames estirados, subiu os mastros, estendeu as lonas e dentro de três dias anunciou a primeira função. Os números apresentados eram sensacionais, como tiro do canhão, o salto do trapézio cego, o homem que parava o automóvel, os barristas belgas, o voo da morte, os cavalos, os bichos, a moça do arame, enfim, uma coisa de fazer perder o juízo. Para o primeiro espetáculo, foram selecionadas algumas crianças para gritar o palhaço pelas ruas que em contrapartida tinham entrada grátis para o circo, depois de ter a manga da camisa marcada com um número. Mas a maioria das crianças davam sempre um jeitinho de pular o arame, apesar do risco de ser agarrado pela polícia, ou pelo grupo de fiscalização, dirigido por Joaquim Barriqueiro, figura temida por todas as crianças.

O circo era um mundo mágico. E essa magia nos remetia a algo incrível, nos fazendo viajar na alegria dos palhaços, nas acrobacias dos malabares e na beleza das cores. Esta arte que encanta crianças e adultos, surgiu no Brasil no século XIX, com famílias vindas da Europa. Estas famílias se manifestavam em apresentações teatrais. Os ciganos, vindos também da Europa, apresentavam-se ao público, demostrando habilidades como doma de urso e cavalos e ilusionismo. As manifestações artísticas eram de acordo com a aceitação do público. O que não agradava, não era mais mostrado naquela cidade. Algumas atrações foram adaptadas ao estilo brasileiro. O palhaço europeu, por exemplo, era menos falante, usando a mímica como base. Já no Brasil, o palhaço fala muito, utilizando de comédia sorrateira, e também de instrumentos musicais. Era comum apresentarem atrações locais, como apresentadores de cantores e instrumentistas, manobra essa para atrair mais gente, e para o espetáculo.

No anúncio que faziam pelas ruas da cidade, entre a algazarra das crianças, avisavam: “Levem suas cadeiras para assistirem confortavelmente ao grande circo…

O circo de Stringuini, pelo tempo que aqui permaneceu, mudou a rotina, trazendo um pouco de alegria para uma época tão sem atrações para a cidade.

Geraldo Maia – Colunista

“É Notícia Mossoró”

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