As garrafas de areia de Tibau
Há dias parei em uma loja de artesanato em Tibau e fiquei olhando para um rapaz que enchia garrafas de areia colorida e depois, com a ajuda de pequenas palhetas de arame, criava figuras diversas em seu interior. Admirei-me da perícia daquele artesão no preparo das famosas garrafas de areia, que já se tornaram símbolo do artesanato não só de Tibau mas de todo Rio Grande do Norte. A visão do artista despertou-me a curiosidade de pesquisador e daquele dia em diante passei a procurar alguma referência que me levasse a origem da questão, ou seja, de como surgiu a idéia de encher garrafas de areia e esculpir figuras em seu interior. Ache a resposta nos escritos do professor Vingt-un Rosado que tendo a mesma curiosidade, desvendou o caso muitos anos antes de mim.
Conta o mestre que Manuel de Jesus do Nascimento e sua esposa Maria da Conceição construíram moradia em cima do Morro do Tibau em 1918, onde passaram a morar com os filhos. Belisa, uma das filhas do casal, gostava de brincar pelos morros com outras crianças. Despertou-lhe a curiosidade a grande variedade de areias e argilas ali existente e resolveu, juntamente com sua irmã Joana de Jesus, encher uma garrafa com areia das várias cores existentes.
Claro que as primeiras garrafas de areia preenchidas por aquelas meninas não tinham o refinamento de arte que tem hoje. As primeiras garrafas eram de faixas, isto é, cada tipo de areia ou de argila ocupava na garrafa faixas paralelas. Colocavam as areias com as mãos, que funcionavam como um funil. Tudo isso se passou no ano de 1921.
Em 1924 Francisca Matias, que era filha de Tito Petronilo de Lima e Isabel Lima, sem conhecer o trabalho que Belisa tinha feito três anos antes, tem a sua atenção despertada pela multiplicidade de cores das areias carregadas pela enxurrada, na proximidade de algumas casas. Ocorreu-lhe a mesma idéia que tivera Belisa: encher garrafas, também em faixas.
Numa comunidade pequena como era Tibau daquela época, as garrafas de areia das meninas passaram a ser conhecidas e imitadas. Logo surgiram as palhetas de talo de coqueiro e de arame que permitiram criar outros desenhos que foram sendo aperfeiçoados nas mãos hábeis dos artesãos até chegar ao que é hoje. Usando as palhetas, a de coqueiro e a de arame, pressionavam a faixa, em pontos simétricos, até conseguir o efeito desejado. Com o passar do tempo e com o interesse que as garrafas despertavam, passaram a trabalhar também na qualidade da matéria prima. Descobriram, por exemplo, que a areia e a argila mereciam cuidados especiais para melhorar o efeito plástico. Passaram então a secar e peneirar a areia em sacos de algodão, estopa ou peneira de arame. A argila era secada, pilada e peneirada.
Em 1955, quando o professor Vingt-un fez esse estudo, identificou 25 variedades de argilas e areias, destacando que as mais usadas eram as de cores: branca, amarela, preta, vermelha, marrom, salmon, creme, prateada, cinzenta, vermelho queimado, grená e verde. Registrou também que as tibauenses que mais se dedicavam ao novo tipo de artesanato, naquela época, eram: Josefina Fonseca, Francisca Henrique, Nazaré Silvino, Francisca Matias e Alice Rebouças, sendo que Josefina Fonseca era a que recebia o maior número de encomendas, consequentemente a que maior desenvolvimento deu aquela atividade.
Com o crescimento demográfico da região e a expansão imobiliária, as dunas foram sendo ocupadas ao ponto de pouco restar das famosas areias coloridas de Tibau. Mas o artesanato de garrafas de areia permanece até hoje, embora que para isso precisem tingir areia ou pilar carvão para substituir o material que antes era vasto e fácil de achar.
Fazemos o resgate do início dessa arte em memória e prova futura, ou como diriam os intelectuais: “Ad futuram memoriam et probationem”
Geraldo Maia – Colunista
“É Notícia Mossoró”