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As Têmporas de Santa Luzia

Têmporas, para o rito católico, significa dias de preces e jejuns. No sentido aqui exposto, têmporas significa experiências com as chamadas “Pedras de Sal de Santa Luzia”.

Os longos períodos de estiagem no sertão nordestino e a fé característica de seu povo fizeram surgir experiências que se tornaram crenças populares. Através de uma delas, a sabedoria popular diz que é possível saber se o ano que se aproxima será chuvoso ou de seca. Para estas experiências o dia de Santa Luzia (13 de dezembro) é muito importante, porque é nesse dia que é feito o teste com as pedras de sal. No entanto, essa experiência não teve origem no Sertão nordestino, como muitos pensam. A tradição nos veio de Portugal, conhecida por todo o país. O povo do Minho acredita que, no fim do mês de dezembro, se pode fazer um prognóstico do estado do tempo no futuro ano. As Sortes ou Têmporas de Santa Luzia tiram-se deste modo: Entre a noite do dia 12 e a madrugada do dia 13 de dezembro, usa-se um pedaço de giz para marcar em uma tábua os seis primeiros meses do ano. Em seguida, coloca-se uma pedra de sal em cima de cada marca. A tábua com as pedras é colocada no sereno e, antes do nascer do sol, retorna-se para verificar o resultado. Aquelas que estiverem umedecidas indicam inverno, mais ou menos intenso, segundo o estado de umidade da pedrinha, no mês que representa. Se houver alguma derretida, indica invernão, inundações, no mês correspondente… Se as pedrinhas apresentarem-se secas, enxutas, conte com a seca.

Felipe Guerra e Teófilo Guerra, no livro “Secas contra a seca”. P.9, Rio de Janeiro, 1909, informa que as experiências de Santa Luzia ainda estendem-se pelos dias seguintes: o dia 13 de dezembro apresentou sinais de chuva? Janeiro será chuvoso. Nada houve, nem relâmpago se viu? Janeiro será seco. E assim por diante; 14 representa fevereiro; 15 março, 16 abril, etc.”

Essa segunda experiência, que vai do dia 13 ao 25 de dezembro, onde cada dia corresponde a um mês do ano seguinte, pode estar relacionada com o Alcorão. No livro “Tradições populares de Entre-Douro-e-Minho,”p.73-74, Barcelos, 1938, lemos a seguinte observação: “Não terá esta crença popular origem muçulmana? Na noite de 23 para 24 de Ramadam ficará determinado tudo quanto há de acontecer no ano seguinte (Alcorão, XLIV, 2, 3, p.73-74, nota-5; XCVII, 1-5 e nota-4) foi nessa noite, chamada de Alkadr, que o Alcorão foi revelado a Maomé. Na noite de Alkadr, os anjos e o Espírito (Gabriel) descem ao mundo com permissão de Deus, a fim de regular todas as coisas. Reina a paz nesta noite até romper da aurora”. Mas por se tratar de experiências populares, não podemos afirmar esse relacionamento.

Essa mesma experiência de Santa Luzia, tal qual conhecemos no Nordeste do Brasil, também foi registrada nos arredores do Porto, em Portugal, com uma pequena variação: ao invés das pedras de sal, usam cascas de cebolas com pitadas de sal. E a data também é diferente: “Em cima de uma mesa colocam-se, na noite de 31 de dezembro para o dia primeiro de janeiro, doze cascos (escamas) de cebola com a concavidade voltada para cima, e dentro de cada um dos cascos deita-se uma pitada de sal de cozinha. Cada um dos cascos representa um mês do ano: – janeiro, fevereiro, março, etc. No dia seguinte vê-se quais são as escamas onde o sal se liquefez. Estas representam os meses de chuva do ano. As escamas que se mantiveram com o sal cristalizado dizem respeito aos meses secos”.

Dia de Santa Luzia. Para o homem do campo, é o marco inicial para uma série de “experiências” e perspectivas de inverno para o ano seguinte. Essas “experiências” representam muito mais que exercícios de possíveis previsões de chuva. São, antes de tudo, um traço cultural do povo do Nordeste que tem no bom inverno a redenção de sua miséria com a fartura de sua lavoura.

No entanto, essa “experiência” vem perdendo força ao longo dos anos e está, perigosamente, fadada ao esquecimento. Essas tradições não são mais praticadas pelos agricultores mais jovens e tendem a se perderem no tempo. Cabe aqui fazer o nosso resgate dos costumes e tradições nordestinas.

Geraldo Maia – Colunista

“É Notícia Mossoró”

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